terça-feira, 5 de dezembro de 2006

Africanos buscam formação profissional em Salvador

Por Sara Manera
Universitários enfrentam estereótipos e dificuldades financeiras
Historicamente, o Brasil não é o destino prioritário dos estudantes africanos. A escolha deles estava voltada para países do próprio continente, para os países europeus ou ainda Estados Unidos e Canadá. No entanto, a aproximação do Brasil com a África, o custo de vida mais acessível, a cultura e a língua portuguesa têm mudado o rumo das migrações estudantis.

Salvador entra na rota dos estudantes universitários africanos que estão à procura de uma melhor formação profissional. A presença de povos da África na cidade sempre foi marcante, primeiro devido à herança cultural e, atualmente, através dos jovens que chegam para estudar. As universidades têm entre seus alunos, estudantes que enxergam no Brasil uma oportunidade de fazer cursos de graduação, pós-graduação e mestrado. Em sua maioria, são oriundos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), formado por Angola, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde.

A maioria desses estudantes chega ao Brasil através de acordos diplomáticos firmados entre o Governo brasileiro e os respectivos países. Por isso, acabam estudando nas universidades públicas. No entanto, o número de estudantes que vêm por conta própria (sem participar de convênios estudantis) está crescendo.
È importante lembrar que existem países africanos com longa tradição universitária e com boas instituições, como África do Sul, Senegal e Nigéria. Mas, na maioria, a implantação de universidades é recente e a qualidade dos cursos não é boa. Apesar disso, a procura é muito superior ao número de vagas oferecido.

“Vim para o Brasil porque a universidade no meu país é nova e quem se forma aqui tem mais credibilidade”, afirma o estudante de Administração Geral da Faculdade da Cidade, Amarildo Evangelista Mendonça, 25, de Guiné Bissau. Os motivos para escolher o Brasil passam também pelo desejo de conhecer o país e pelo fato de muitos já terem familiares ou amigos estudando aqui.
Formação de quadros - Depois da descolonização, muitos países africanos enfrentaram anos, às vezes décadas, de guerra civil. A destruição da infra-estrutura, a suspensão do ensino normal e universitário e a própria herança deixada pela colonização, causaram uma deficiência de profissionais qualificados para trabalhar nos próprios países. Mesmo naqueles que não enfrentaram guerras, a implantação dos cursos universitários ainda é bastante deficitária.

Esta carência de profissionais qualificados obrigou os governos de países como Cabo Verde, Angola e Gabão a financiar os estudos de seus jovens em outros países. A caboverdiana, Julieta Gomes de Pina, 30, que se formou em 2005 no curso de Letras Vernáculas pela UFBA comenta que contava com uma bolsa de cerca de R$ 900. No ano de 2003, a bolsa foi reduzida para R$ 500 e mais um plano de saúde, ambos dados pelo governo de Cabo Verde.

Infelizmente, nem todos os estudantes têm acesso a uma bolsa com a qual possam se manter aqui no Brasil. Para estes, as dificuldades financeiras são um problema grave que acaba atrapalhando os estudos. Quem não conta com bolsa precisa se sustentar com o dinheiro mandado pela família, que nem sempre tem condições de enviar o necessário Algumas vezes, não há dinheiro nem para atender as necessidades básicas, como aluguel, alimentação, transporte e livros.

A grande maioria dos estudantes africanos deseja retornar ao seu país de origem com melhor qualificação acadêmica para ajudar no seu desenvolvimento. O moçambicano Dawyvan Gabriel Gaspar, 30, mestrando em História Social, deve retornar ainda este ano com esposa e filha brasileiras. “A maior riqueza que levarei daqui são os livros, em Moçambique eles são muito caros”, comenta.

Cooperação diplomática - O Governo brasileiro, através do Ministério das Relações Internacionais (MRI) e do Ministério da Educação (MEC) desenvolve o Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G), que atende estudantes de países em desenvolvimento, especialmente da América Latina, Caribe e África. Este convênio permite que estudantes vindos destes países façam a graduação em universidades brasileiras com isenção total de custos. As vagas oferecidas aos estudantes africanos são adicionais, não são as mesma oferecidas aos brasileiros através do vestibular.

Desafios - “O desconhecimento sobre a África é total. Falta informação numa cidade de negros dita tão próxima do continente”, comenta Lubain Steve Otha, do Gabão, bacharel em Ciências Biológicas pela UFBA.
As referências sobre a África são as dos estereótipos (AIDS, guerra, fome, vida selvagem) e da homogeneidade, como se esse continente tão diverso tivesse uma só cultura. Salvador, cidade que se vangloria de sua ancestralidade, desconhece a África contemporânea, urbana e rica. É preciso reconstruir o imaginário brasileiro sobre a África, porém sem mitificá-la, sem torná-la um paraíso idílico.

As informações sobre o Brasil que chegam para os estudantes africanos também são superficiais, especialmente sobre a violência e as belezas naturais. As novelas brasileiras, que são transmitidas na maioria dos PALOP, são muito importantes como referência para a construção da imagem que eles têm do país.

Assim como os negros brasileiros, os negros africanos também sofrem preconceito racial. Para alguns, chega a ser inusitado, já que o mito da democracia racial brasileira é vigente também no continente africano. “A relação Brasil–África é muito complicada. O Brasil deve muito à África, os escravos também construíram este país” desabafa Artemisa Odila, de Guiné Bissau, mestranda de Estudos Étnicos e Africanos. Apesar disto, a maioria dos estudantes africanos são bem recebidos. “Não tenho palavras para dizer o quanto este convênio é importante para nós”, acrescenta Artemisa.

Africanos na UFBA (Universidade Federal da Bahia)

Atualmente são 18 os estudantes matriculados na UFBA, nos cursos de comunicação, enfermagem, direito, arquitetura, biologia, dentre outros. Em 2000, o Programa contava com aproximadamente 2.700 estudantes-convênio em todo o país, de 26 países africanos, de acordo com o manual distribuído pelo próprio PEC-G.
Dentre os estudantes africanos que vêm para o país, se destacam os caboverdianos, os angolanos e os guineenses. Todos eles foram colonizados por Portugal e guardam semelhanças culturais e lingüísticas muito fortes com o Brasil. Apesar de também falarem o português, a língua tem peculiaridades e muda em cada país, pois recebe influência das línguas nacionais como o Crioulo, o Umbundo, entre muitas outras.

A dificuldade inicial é se adaptar ao português do Brasil e entender os textos acadêmicos. O atraso da carteira de estrangeiro e o mau atendimento na Polícia Federal são algumas das queixas dos estudantes, que pagam uma taxa anual pelo documento e que, na maioria das vezes, não o recebem.

Na UFBA, a Superintendência Estudantil, é responsável pelos estudantes-convênio. A relação entre eles e a Coordenadora do PEC-G, Maria Reis, é de proximidade e amizade, “Eu ajudo, telefono para os outros estudantes para acompanhar os novatos na Polícia Federal, para abrir a conta no banco”, comenta.

O Projeto Milton Santos de Acesso ao Ensino Superior (Promisaes) deu 500 bolsas em 2006 aos estudantes-convênio que enfrentam dificuldades econômicas. Cada bolsa no valor de um salário mínimo por mês. Na UFBA, um estudante já foi contemplado com a bolsa do Promisaes.

Uma das alternativas que algumas universidades, a exemplo da UnB, encontraram para ajudar seus estudantes do PEC-G, foi dar uma bolsa-auxílio mensal em dinheiro, além de oferecer preços mais baratos em seus restaurantes universitários.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sara, adorei a proposta do blog.Desde 2006 e vc não me disse nada não é!
Muito interessante mesmo essa ligação entre jornalismo,política e relações internacionais.
Parabéns minha querida!
Vá em frente!
Moisés