quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Iraque: o tiro que saiu pela culatra

Por Sara Manera
Terça-feira (05/12) o provável sucessor de Donald Rumsfeld na Secretaria de Defesa dos Estados Unidos, Robert Gates, em sessão no senado confirmou o óbvio. Os EUA não estão ganhando a guerra.

Na quarta-feira, o Grupo de Estudos sobre o Iraque, formado por democratas e republicanos, apresentou relatório com 79 recomendações para uma mudança de estratégia no país. Uma das sugestões é de, pela diplomacia, ter o apoio do Irã e da Síria nas negociações em toda a região do Oriente Médio e de tirar até 2008 todas suas tropas do Iraque.

A ponta do iceberg - Estes fatos são o indício de que ou os Estados Unidos tomam outro rumo no comando do Iraque ou a situação vai ficar ainda mais perigosa. Com o maior poder dos democratas depois das últimas eleições para a Câmara e o Senado, o governo Bush deve ser persuadido a rever seus planos para o país e conseqüentemente para toda a região. Já que a mudança é imprescindível e inadiável sob pena de o governo Iraquiano e os EUA perderem totalmente o controle da situação.

Os Estados Unidos não conseguiram o que queriam no início da guerra. Com o pretexto de acabar com armas de destruição em massa que supostamente o governo de Saddam Hussein tinha, o que depois foi confirmado como falso pela ONU, travou-se uma guerra que se queria curta e eficaz. A invasão do Iraque nem foi curta nem eficaz.

O país na sua situação atual de violência e de desgoverno está inevitavelmente correndo para uma guerra civil. Ou há uma intervenção mais racional e menos colonialista, ou os EUA vão perder ainda mais com a guerra. Há três anos, a deposição do governo parecia ser a melhor escolha para que os EUA mantivessem o controle sobre o petróleo, seus preços e fornecimento, e “modelar” de acordo com seus interesses toda a região do Oriente Médio.

No meio do caminho tinha uma pedra - O governo Bush, com toda sua arrogância, prepotência e abuso da força vem cada vez mais colecionando desafetos, alguns realmente perigosos. O cowboy que encarna o espírito americano disfarçou muito mal as aspirações do império americano. No entanto no meio do caminho para uma dominação política e econômica do Oriente Médio surgiram obstáculos como o Irã e a Síria.

Estes países são considerados potências médias que tem importante papel na região e que não são aliados americanos, por isso os EUA já os colocaram na lista de países que fazem parte do “Eixo do mal”. O Irã é acusado de desenvolver armar nucleares e deve sofrer retaliações caso não abandone suas pretensões. No entanto, a política funciona no esquema do “dois pesos, duas medidas”, ou seja, esta acusação foi feita não por interesse na não proliferação de armas nucleares, mas com o intuito de fragilizar um regime hostil às pretensões norte americanas.

O conflito iraquiano tomou um caminho decisivo, a guerra como foi pensada em 2003 não existe mais. Ou muda-se agora ou a guerra civil será inevitável e aí, haverá mais perdas para todos, principalmente para os iraquianos e para a estabilidade da região.

terça-feira, 5 de dezembro de 2006

Africanos buscam formação profissional em Salvador

Por Sara Manera
Universitários enfrentam estereótipos e dificuldades financeiras
Historicamente, o Brasil não é o destino prioritário dos estudantes africanos. A escolha deles estava voltada para países do próprio continente, para os países europeus ou ainda Estados Unidos e Canadá. No entanto, a aproximação do Brasil com a África, o custo de vida mais acessível, a cultura e a língua portuguesa têm mudado o rumo das migrações estudantis.

Salvador entra na rota dos estudantes universitários africanos que estão à procura de uma melhor formação profissional. A presença de povos da África na cidade sempre foi marcante, primeiro devido à herança cultural e, atualmente, através dos jovens que chegam para estudar. As universidades têm entre seus alunos, estudantes que enxergam no Brasil uma oportunidade de fazer cursos de graduação, pós-graduação e mestrado. Em sua maioria, são oriundos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), formado por Angola, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde.

A maioria desses estudantes chega ao Brasil através de acordos diplomáticos firmados entre o Governo brasileiro e os respectivos países. Por isso, acabam estudando nas universidades públicas. No entanto, o número de estudantes que vêm por conta própria (sem participar de convênios estudantis) está crescendo.
È importante lembrar que existem países africanos com longa tradição universitária e com boas instituições, como África do Sul, Senegal e Nigéria. Mas, na maioria, a implantação de universidades é recente e a qualidade dos cursos não é boa. Apesar disso, a procura é muito superior ao número de vagas oferecido.

“Vim para o Brasil porque a universidade no meu país é nova e quem se forma aqui tem mais credibilidade”, afirma o estudante de Administração Geral da Faculdade da Cidade, Amarildo Evangelista Mendonça, 25, de Guiné Bissau. Os motivos para escolher o Brasil passam também pelo desejo de conhecer o país e pelo fato de muitos já terem familiares ou amigos estudando aqui.
Formação de quadros - Depois da descolonização, muitos países africanos enfrentaram anos, às vezes décadas, de guerra civil. A destruição da infra-estrutura, a suspensão do ensino normal e universitário e a própria herança deixada pela colonização, causaram uma deficiência de profissionais qualificados para trabalhar nos próprios países. Mesmo naqueles que não enfrentaram guerras, a implantação dos cursos universitários ainda é bastante deficitária.

Esta carência de profissionais qualificados obrigou os governos de países como Cabo Verde, Angola e Gabão a financiar os estudos de seus jovens em outros países. A caboverdiana, Julieta Gomes de Pina, 30, que se formou em 2005 no curso de Letras Vernáculas pela UFBA comenta que contava com uma bolsa de cerca de R$ 900. No ano de 2003, a bolsa foi reduzida para R$ 500 e mais um plano de saúde, ambos dados pelo governo de Cabo Verde.

Infelizmente, nem todos os estudantes têm acesso a uma bolsa com a qual possam se manter aqui no Brasil. Para estes, as dificuldades financeiras são um problema grave que acaba atrapalhando os estudos. Quem não conta com bolsa precisa se sustentar com o dinheiro mandado pela família, que nem sempre tem condições de enviar o necessário Algumas vezes, não há dinheiro nem para atender as necessidades básicas, como aluguel, alimentação, transporte e livros.

A grande maioria dos estudantes africanos deseja retornar ao seu país de origem com melhor qualificação acadêmica para ajudar no seu desenvolvimento. O moçambicano Dawyvan Gabriel Gaspar, 30, mestrando em História Social, deve retornar ainda este ano com esposa e filha brasileiras. “A maior riqueza que levarei daqui são os livros, em Moçambique eles são muito caros”, comenta.

Cooperação diplomática - O Governo brasileiro, através do Ministério das Relações Internacionais (MRI) e do Ministério da Educação (MEC) desenvolve o Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G), que atende estudantes de países em desenvolvimento, especialmente da América Latina, Caribe e África. Este convênio permite que estudantes vindos destes países façam a graduação em universidades brasileiras com isenção total de custos. As vagas oferecidas aos estudantes africanos são adicionais, não são as mesma oferecidas aos brasileiros através do vestibular.

Desafios - “O desconhecimento sobre a África é total. Falta informação numa cidade de negros dita tão próxima do continente”, comenta Lubain Steve Otha, do Gabão, bacharel em Ciências Biológicas pela UFBA.
As referências sobre a África são as dos estereótipos (AIDS, guerra, fome, vida selvagem) e da homogeneidade, como se esse continente tão diverso tivesse uma só cultura. Salvador, cidade que se vangloria de sua ancestralidade, desconhece a África contemporânea, urbana e rica. É preciso reconstruir o imaginário brasileiro sobre a África, porém sem mitificá-la, sem torná-la um paraíso idílico.

As informações sobre o Brasil que chegam para os estudantes africanos também são superficiais, especialmente sobre a violência e as belezas naturais. As novelas brasileiras, que são transmitidas na maioria dos PALOP, são muito importantes como referência para a construção da imagem que eles têm do país.

Assim como os negros brasileiros, os negros africanos também sofrem preconceito racial. Para alguns, chega a ser inusitado, já que o mito da democracia racial brasileira é vigente também no continente africano. “A relação Brasil–África é muito complicada. O Brasil deve muito à África, os escravos também construíram este país” desabafa Artemisa Odila, de Guiné Bissau, mestranda de Estudos Étnicos e Africanos. Apesar disto, a maioria dos estudantes africanos são bem recebidos. “Não tenho palavras para dizer o quanto este convênio é importante para nós”, acrescenta Artemisa.

Africanos na UFBA (Universidade Federal da Bahia)

Atualmente são 18 os estudantes matriculados na UFBA, nos cursos de comunicação, enfermagem, direito, arquitetura, biologia, dentre outros. Em 2000, o Programa contava com aproximadamente 2.700 estudantes-convênio em todo o país, de 26 países africanos, de acordo com o manual distribuído pelo próprio PEC-G.
Dentre os estudantes africanos que vêm para o país, se destacam os caboverdianos, os angolanos e os guineenses. Todos eles foram colonizados por Portugal e guardam semelhanças culturais e lingüísticas muito fortes com o Brasil. Apesar de também falarem o português, a língua tem peculiaridades e muda em cada país, pois recebe influência das línguas nacionais como o Crioulo, o Umbundo, entre muitas outras.

A dificuldade inicial é se adaptar ao português do Brasil e entender os textos acadêmicos. O atraso da carteira de estrangeiro e o mau atendimento na Polícia Federal são algumas das queixas dos estudantes, que pagam uma taxa anual pelo documento e que, na maioria das vezes, não o recebem.

Na UFBA, a Superintendência Estudantil, é responsável pelos estudantes-convênio. A relação entre eles e a Coordenadora do PEC-G, Maria Reis, é de proximidade e amizade, “Eu ajudo, telefono para os outros estudantes para acompanhar os novatos na Polícia Federal, para abrir a conta no banco”, comenta.

O Projeto Milton Santos de Acesso ao Ensino Superior (Promisaes) deu 500 bolsas em 2006 aos estudantes-convênio que enfrentam dificuldades econômicas. Cada bolsa no valor de um salário mínimo por mês. Na UFBA, um estudante já foi contemplado com a bolsa do Promisaes.

Uma das alternativas que algumas universidades, a exemplo da UnB, encontraram para ajudar seus estudantes do PEC-G, foi dar uma bolsa-auxílio mensal em dinheiro, além de oferecer preços mais baratos em seus restaurantes universitários.

Os muros da vergonha

Por Sara Manera
A imigração ilegal nos coloca em uma encruzilhada onde dois caminhos são decisivos para a paz no século XXI

A queda do muro de Berlim em 1989, simbolizou o fim da guerra fria, a re-união de dois países e um voto de confiança em um futuro mais unido. Em 2006, outros muros tomam conta do noticiário, mas desta vez com o intuito claro de separar, distinguir, desunir.

Israel continua a construir o muro que corta os territórios palestinos na Cisjordânia, com o intuito de preservar o país de mais ataques terroristas. Os EUA, tentam barrar a onda de imigrantes latinos que insistem em invadir o país, apesar de cidadãos americanos patrulharem a fronteira com o México.

Depois do colapso da União Soviética e do triunfo dos EUA no cenário mundial, os muros pareciam ter perdido o sentido. Os novos muros surgem como sintomas das novas regras internacionais, mas continuam servindo para separar, controlar e subjugar grupos ou populações inteiras.

Cada vez mais fica clara a opção dos países ricos em deter os imigrantes africanos, latinos, asiáticos e de países islâmicos, que vem a procura de emprego, dignidade e melhores condições de vida. Assim como na Europa, a questão da imigração nos Estados Unidos é tratada agora como questão de segurança nacional. Os imigrantes ilegais que invadem as Ilhas Canárias, que vem do leste europeu e que pulam os muros vigiados dos americanos na maioria são jovens saudáveis que não se resignaram à pobreza de seus países e que vêem na imigração ilegal a única chance de viver decentemente.

Estes muros se transformam em encruzilhadas, principalmente para as populações diretamente envolvidas. É possível seguir por dois caminhos; aquele que continua a construir os muros e assim opta pela separação entre nós e os outros e fatalmente leva a violência ou aquele caminho que prefere derrubar o muro, pensar no que pode ser feito para nos proteger sem atacar o outro.
Este é mais árduo e difícil, pois exige paciência, diplomacia e visão a longo prazo. A imigração necessariamente passa por uma divisão mais igualitária de renda, comércio justo, políticas de desenvolvimento, responsabilidade ambiental e social. As migrações tomam rumos dramáticos, mas nós ainda podemos escolher quais devem ser seguidos.

Guardiões da fronteira

A lei sancionada pelo presidente George W. Bush em Outubro que prevê a construção de um muro de cerca de mil km na fronteira entre os Estados Unidos e o México, para muitos foi eleitoreira. De olho nos votos de americanos que defendem leis mais duras contra a imigração ilegal, os “guardiões da fronteira”, voluntários que patrulham a divisa entre os dois países, também querem eleger representantes para a Câmara e o Senado.

Nos EUA onde cerca de 12 milhões de imigrantes ilegais reforçam a economia do país a aprovação da lei para construção do muro deixa mexicanos e americanos em lados opostos. O muro só cobrirá aproximadamente um terço da fronteira e pode causar um número maior de mortes durante a travessia, pois as rotas ficariam mais difíceis e perigosas. Leis para a punição de imigrantes ilegais e negação de alguns benefícios, como assistência média e educação polemizam ainda mais a questão da imigração. A barreira deverá custar cerca de US$ 6 bilhões, mas ainda não há verbas nem data prevista para ser implantada.

Com a vitória do partido democrata nas eleições espera-se que a discussão seja bilateral, mais ampla e mais justa para todos.